Os altos níveis de “desalinhamentos cambiais” promovidos por vários
países com forte peso no comércio mundial acabam provocando efeitos mais
relevantes sobre o comércio internacional do que a cobrança de tarifas
de importação, aponta estudo divulgado nesta quinta-feira (11) pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado “Impactos do
câmbio nos instrumentos de comércio internacional: o caso das tarifas”.
“Diante da realidade da prática de desvalorizações cambiais, é
fundamental que se negocie a criação de um mecanismo para neutralizar os
efeitos do câmbio nas tarifas, ou algo como tarifas ajustadas ou
compensatórias, que, quando efetivamente aplicadas, possibilitariam a
manutenção do acesso a mercados originalmente negociados”, avalia o
estudo.
O Ipea fez uma análise, em conjunto com a Escola de
Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), na qual aponta que a moeda
brasileira em 2010 estava 30% valorizado em termos reais ante o dólar.
Com este nível de apreciação do câmbio, as tarifas comerciais médias
consolidadas, que oscilam de 12% a 50%, na prática passam a variar de
-22% a 5%, e a grande maioria é de valores negativos. No caso das
tarifas médias aplicadas, que vão de 0% a 22%, elas caem e passam para
um intervalo negativo de -14% a -30%.
“A valorização cambial do
Brasil, nos níveis considerados de 30%, significa não só a anulação das
tarifas consolidadas na Organização Mundial do Comércio (OMC) como
incentivo às importações do País porque reduzem as tarifas aplicadas a
níveis negativos”, ressalta o documento. “Diante desse quadro, exigir
cortes mais significativos nas tarifas consolidadas, no âmbito da Rodada
Doha, seria impor maiores distorções aos níveis tarifários já
negociados. A mesma consideração pode ser feita quando forem analisadas
as opções de negociação de novos acordos preferenciais de comércio.”
De
acordo com o trabalho do Ipea, os efeitos do desequilíbrio cambial
devem ser analisados não só sobre tarifas, mas também em vários outros
instrumentos de defesa comercial, como ações antidumping, salvaguardas e
medidas compensatórias. “Muitos dos direitos impostos ao longo dos
últimos anos podem ter sido anulados pelo efeito câmbio”, afirma o
texto.
O documento salienta que o câmbio atinge o mecanismo de
solução de controvérsias, quando retaliações são autorizadas sob forma
de elevações dos níveis das tarifas. “Uma alternativa possível seria
examinar o instrumento do dumping cambial e ajustar o Acordo de
Antidumping não só para o conceito de dumping como o de dano, de modo a
serem introduzidos os efeitos do câmbio de forma explícita no
instrumento”, diz o comunicado.
O estudo afirma que, com a adoção
do conceito de “tarifas ajustadas para os efeitos cambiais”, os membros
da OMC poderiam avaliar os níveis reais de abertura comercial dos
países membros. “Por outro lado, somente com a introdução de tarifas
compensatórias é que tais (países) membros teriam respeitado o nível de
acesso ao mercado negociado nas rodadas (comerciais)”, ressalva.
Segundo
o estudo, a OMC precisa enfrentar a questão dos efeitos do câmbio sobre
o sistema de regras desenvolvido nas últimas décadas. “Frente à atual
situação da Rodada Doha, pode-se perguntar se a questão cambial não
estaria por trás do impasse enfrentado”, questiona o trabalho. “O grande
avanço representado pela OMC sempre foi o de garantir que as relações
entre Estados sejam orientadas pelas regras e não pela força. O
fortalecimento do sistema regulatório da OMC é fundamental para que
guerras comerciais não se transformem em conflitos internacionais.”
fonte: Jornal do Comércio